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domingo, 24 de setembro de 2017

A árvore da sombra...



  Costumava eu ficar em cima de uma árvore, apelidada carinhosamente de "árvore da sombra" — como costumávamos chamar a única árvore do pátio na escola — esperando ver aquela menina passar. Uma coleguinha de classe que até onde não me trai a memória, foi minha primeira paixão adolescente. A menina de pele branca, franja e olhos castanhos encantava pela inocência e pureza de olhar. De olhar distante exibia um sorriso faceiro. Eu a amei, como ama um menino em ardente paixão juvenil, daquelas paixões que nos pareciam ser eternas, das quais costumamos criar casamentos imaginários, contando os números bebês que sonhávamos ter, e a cor da casinha que queríamos morar.
  Eu amei aquela menina com direito a trilha sonora e espionagens nas noites de sábado, em minha bicicleta magrela vermelha. Quando passava pela rua em que ela morava propositalmente " sem propósito algum que não fosse descobrir por acaso" a casa que ela morava. O mais bizarro de tudo isso foi o fato de eu ter namorado de uma forma imaginária aquela garota pelos próximos três anos seguintes. Durante "eternos" três anos eu gostei da fulana de nome censurado, garotinha do do fundamental mágico que morava na rua que ficava logo atrás da escola. Ela era alegre, radiante e intensa como o sol das exatas quinze horas e vinte minutos de uma tarde de recreio. Eu que ficava sentado sobre batente do antigo chafariz, sempre à observar hipnoticamente correndo com as outras meninas brincando de queimada, debaixo de um sol que nos queimava.
  Ela parecia viver o apogeu da mais energética pré-adolescência, correndo contra o pouco vento do pátio abafado pelos altos muros da escola, com seu short jeans e a farda surrada. Seus finos fios de cabelos grudados na sua testa molhada. Ela era branca de ficar vermelha, e quase podia ver seus batimentos cardíacos sob suas veias verdes que pulsavam em seus finos braços pálidos. Eu era telespectador do ápice juvenil daquela menina, que para os "padrões de beleza" dos garotos daquela época, à elegemos a menina mais bela da classe!
  O ano era 1995, ainda nos considerávamos crianças inocentes aos doze, treze anos ou até mais que isso. Era uma década na qual podíamos brigar na saída da escola em uma sexta-feira e já ter feito as pazes na segunda, ou até menos que isso. Ela era a menina mais linda da classe, cativava pela inocência, só queria correr no recreio e ser a primeira da fila da merenda. E apesar de nunca ter notado eu estava sempre atrás dela. No caos da fila no bebedouro, na organização da fila do lanche, na cadeira da fila ao lado da sala, na fila para voltarmos à classe após o recreio, que essa em especial era a hora que eu mais gostava, por inevitavelmente nos esbarrar-nos tanto. Eu olhava seu pescoço suado e achava lindos seus cabelos grudados na sua testa molhada, os seus braços umedecidos de um suor sem odor que acidentalmente roçavam nos meus. Por mim aquela fila poderia durar para sempre. Eu que sempre estava a um passo atrás dela, passei até sentar atrás de sua cadeira. Na saída eu diminuía os passos e curtia cada metro que faltava antes de ela dobrar a esquina.
  Ela nunca me viu. O mais intrigante de tudo é que eu gostei calado daquela menina por três anos. Por três longos anos eu a segui, da segunda a quarta série, eu fantasiei o mais longo amor platônico pré adolescente de minha vida! Na quinta série nos separamos. E logo soube por um colega que ela foi transferida por que sua avó que a criava estava mudando de bairro. Eu nunca falei com aquela menina, mas até hoje me pergunto, em que parte deste planeta ela poderia estar hoje e neste exato momento? Hoje já não mais por causa da paixão juvenil. Mas pela mais pura curiosidade de saber, que tipo de pessoa ela deve ser, que tipo de mulher ela se tornou? Quais foram seus planos, conquistas, suas dores e perdas vividas ao longo de sua vida? Casou, teve filhos, será que ainda está viva? Juro que nessa minha mente por natureza fértil, ainda a vejo correndo no pátio da escola, de shortinho jeans surrado, sandálias, farda suja e de cabelos assanhados.
  Eu a nitidamente ainda a vejo como se fosse a quatro dias atrás, sempre que volto à velha escola de dois em dois anos para votar. Se eu a reencontrasse hoje certamente ela não lembraria mais de mim. Mas se caso fosse, eu diria a ela que infelizmente cimentaram o pátio da escola, e cortaram nossa árvore da sombra. Sempre que piso aquele chão, sinto que debaixo de todo cimento e concreto, está nossa infância. A areia na qual corremos, caímos e rolamos. As raízes mortas da árvore que nos abrigava do sol escaldante nas tardes de recreio. Cimentadas foram junto com o nosso passado, todas as nossas paixões juvenis, e a covardia que tive durante anos em declarar minha paixonite.

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